A marcha acontece no próximo domingo, 06/12, com concentração, na Praça
Getúlio Vargas a partir das 09H, cortejo tradicional, feira de
afro-empreendedorismo e atrações artísticas, ao longo do dia.
Dezembro chega e com ele, os flashes retrospectivos vão
anunciado o findar do ano. A retrospectiva que me permito fazer consiste em
olhar, não só para 2015, mas para os quase 400 anos de escravidão de povos
africanos no Brasil. Olho com dor e preocupação para a presente situação dos
brasileiros descendentes de reinados de África e entendo que, quase nada mudou:
A escravidão se perpetua, acomodada ao racismo já institucionalizado, que de inúmeras faces e em todas as esferas sociais, insiste no extermínio da história negra no Brasil. A princípio, o
projeto social era usar da mão de obra negra escravizada para construir a nação
e depois dar sumiço com qualquer vestígio de presença africana na "pseudo
nação européia das Américas", mas a verdade é que tentaram (e ainda
tentam) nos enterrar, sem saber que somos sementes. Sementes germinadas com a
força dos Orixás que na diáspora, que floresce e sempre florescerá força de
luta contra a opressão. O projeto racista e segregacionista segue marginalizando,
inferiorizando, assassinando e demonizando a vida negra brasileira.
Contudo, lutamos incessantemente contra a cultura de opressão
que, em 2015 escancarou o racismo fundamentalista brasileiro, institucionalizando
o genocídio da juventude negra periférica, e servindo de combustível para
grupos intolerantes atearem fogo à terreiros de candomblé, ou agredirem
crianças por professarem a fé nos Orixás, em público. A intolerância religiosa
é a face do racismo que mata, apedreja, invade e incendeia espaços sagrados, em
nome de "Deus" - em aspas, porque citando a Banda Alafia, na música Preto Cismado (Corpura, 2015), "Não posso acreditar que existe um Deus que feche
com a Segregação".
Igreja do Rosário dos Pretos, Guarulhos - Século XIX
Em resposta à
intolerância religiosa, pela visibilidade e respeitos às matrizes sagradas
africanas, as comunidades de Candomblé e Umbanda de Guarulhos e região,
realizarão, no próximo dia 06 de dezembro, a 5ª Caminhada das Águas de Mãe
Oxum. A Caminhada é, a princípio, a manifestação dos Terreiros de Matrizes
Africanas, realizada pela UARAB (União dos Adeptos de Religiões Afro
Brasileiras) apoiado pela MOVIASE e pela Prefeitura de Guarulhos. O Ato Público
terá concentração na Praça Getúlio Vargas e passa por três marcos históricos,
que remetem a história dos povos africanos escravizados no período colonial: Busto
da Mãe Preta, o Marco Zero (Frente a igreja Matriz), e a marcação da Igreja
do Rosário dos Pretos erguida pelos escravos e destruída no princípio do século.
A programação segue com a procissão e manifestação dos povos de terreiros e
volta para a praça Getúlio Vargas onde acontecerá feira de
afro-empreendedorismo e apresentações artísticas e culturais.
O Babalorixá Luciano
de Oxum, sacerdote do Ile Oba Ira Ase Odé Erinlé - popularmente conhecido como
Asé Cabuçu, acompanha o movimento desde as primeiras caminhadas. Em 2013
recebeu a Comenda Mãe Oxum e desde então tem se dedicado na aproximação,
conscientização política e mapeamento dos milhares de terreiros, em toda a
mesorregião da Grande São Paulo. Segundo ele, "O aspecto da Caminhada é
fazer com que a sociedade afro-religiosa ganhe visibilidade para que
definitivamente acabe com a violência contra nosso modo de vida para que nossos
costumes sejam respeitados bem como nossa cultura milenar". E explicou:
"O movimento tem como objetivo principal agregar os simpatizantes de nossa
crença, e a luta pelo fim da intolerância e por respeito. Marchamos para o
cessar dos crimes motivados pelo ódio à nossa religião, para exigir o
cumprimento das leis de laicidade, e lutar contra os projetos de leis que
tentam fechar as portas de nossos terreiros".
Confira a entrevista
do Babalorixá Luciano de Oxum, ao blog Olhar de um Cipó:
A maioria dos
movimentos, caminham pelas águas de Oxalá ou Yemonjá. Por que Guarulhos Caminha
pelas Águas de Mãe Oxum?
O movimento este ano
será dia 06/12, por motivos de mobilização, data que vai de encontro com o
aniversário da 455 anos de Guarulhos (08/12),
feriado municipal. Um dia escolhido por nossa ancestralidade para homenagear
nossa Mãe Oxum e também dia de Nossa Senhora da Conceição, padroeira da cidade.
Em meio à tantos
casos de violência contra as religiões de matriz africana, por que caminhar?
A política é o meio
para garantir o direito de todo cidadão. No nosso caso, como religiosos, nossa
forma pacífica é discreta e diferente ao que pensam sobre nós. Hoje, somos
muitos e com o crescimento, aumenta também o ódio e a intolerância.
Enquanto o povo do
santo não se manifesta publicamente, menos as leis que garantem nossa
religiosidade serão cumprida. O povo do santo precisa muito mais! Chegamos a
uma dimensão de precisarmos de uma delegacia especial que nos defenda contra
crimes para suprimir e controlar o ódio.
O número de pessoas
nas manifestações públicas é que chama a atenção da sociedade e nossa
necessidade hoje é de sermos vistos, pois somos cidadãos, temos o nosso
direito. Enquanto o povo do axé se fechar atrás de seus portões nunca seremos
respeitados. Até que nos seja tirado
nosso direito por violência ou aprovação de leis fundamentalistas. Na esfera
política, temos pouquíssimos políticos que representem diretamente nossa causa.
Numa manifestação pública temos a chance de trazer políticos para se compadecer
por nossa causa.
Na sua opinião, o que motiva a intolerância
religiosa contra as comunidades de terreiro?
O que motiva a
intolerância é que somos em muitos em nosso território, e outros segmentos
religiosos bestializam nosso modo de vida, demonizam nosso culto e isto é um
método de doutrina usado desde os primórdios dos tempos para justificar erros e
agregar membros: Atribuir o mal que acontece não a si próprio mas ao próximo e
atribuíram isto a nossos atabaques, à língua de nossos ancestrais... Nossa
religião, desde os primórdios, é
marginalizada por ser de origem africana que outrora eram tratados como animais.
Tudo que foi atribuído ao negro, até bem pouco tempo atrás, era sempre aquilo
que não era bom, e não seria diferente com nossa cultura e nossa manifestação
religiosa.
Em 2015, assistimos, com muita dor, casos de
intolerâncias: a menina Kayllane levou uma pedrada por estar de branco;
terreiros foram queimados; crianças intimidadas por professarem a fé nos
Orixás, entre outros casos. Como o senhor vê esses atentados quando, quase
sempre, os agressores se mantém impunes?
As pessoas que
agridem, da forma citada, esperam momentos que as pessoas de axé estejam
indefesas. Os grupos de perseguição e violência não atacam um grupo de homens
de axé! Sempre compelem crianças, mulheres e minorias. Para este caso devemos
exigir o cumprimento, em manifestações, cartas de repúdio, e em diálogos onde
possamos orientar todo o povo do santo. Mas sem a participação da maioria é
possível que esta sombra ainda rodeie nossa religião por maior tempo. O povo do
axé não tem mais tempo a perder, devemos agir de forma organizada e pacífica
já!
Babalorixá Luciano no transe de Oxum - Foto: Iago Santana
Qual seu pedido à Oxum para esse momento de
enfrentamento? Peço a Mãe Oxum que
dê a sua benção a todos que estão trabalhando para que este momento
aconteça.Peço que ilumine os líderes que ainda não acham necessário e que ainda,
não sei o porquê, anulam-se. E nestes dias que faltam, possamos estar juntos, nesta
manifestação histórica, para cair chuva de ouro em nossas cabeças. E meus mais
sinceros respeitos a todos.
Serviço:
5ª Caminhada
das Águas de Mãe Oxum, em Guarulhos
Data e horário: 06/12,
domingo, a partir das 09:00
Concentração na
Praça Getúlio Vargas, Guarulhos - SP
Realização: União dos Adeptos de Religiões Afro
Brasileiras - UARAB
Apoio: MOVIASE e Prefeitura de Guarulhos
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