2 de dezembro de 2015

Terreiros promovem a 5ª Caminhada das Águas de Oxum pelo respeito às Matrizes Africanas, em Guarulhos




A marcha acontece no próximo domingo, 06/12, com concentração, na Praça Getúlio Vargas a partir das 09H, cortejo tradicional, feira de afro-empreendedorismo e atrações artísticas, ao longo do dia.

Dezembro chega e com ele, os flashes retrospectivos vão anunciado o findar do ano. A retrospectiva que me permito fazer consiste em olhar, não só para 2015, mas para os quase 400 anos de escravidão de povos africanos no Brasil. Olho com dor e preocupação para a presente situação dos brasileiros descendentes de reinados de África e entendo que, quase nada mudou: A escravidão se perpetua, acomodada ao racismo já institucionalizado, que de inúmeras faces e em todas as esferas sociais, insiste no extermínio da história negra no Brasil. A princípio, o projeto social era usar da mão de obra negra escravizada para construir a nação e depois dar sumiço com qualquer vestígio de presença africana na "pseudo nação européia das Américas", mas a verdade é que tentaram (e ainda tentam) nos enterrar, sem saber que somos sementes. Sementes germinadas com a força dos Orixás que na diáspora, que floresce e sempre florescerá força de luta contra a opressão. O projeto racista e segregacionista segue marginalizando, inferiorizando, assassinando e demonizando a vida negra brasileira. 

Contudo, lutamos incessantemente contra a cultura de opressão que, em 2015 escancarou o racismo fundamentalista brasileiro, institucionalizando o genocídio da juventude negra periférica, e servindo de combustível para grupos intolerantes atearem fogo à terreiros de candomblé, ou agredirem crianças por professarem a fé nos Orixás, em público. A intolerância religiosa é a face do racismo que mata, apedreja, invade e incendeia espaços sagrados, em nome de "Deus" - em aspas, porque citando a Banda Alafia, na música Preto Cismado (Corpura, 2015), "Não posso acreditar que existe um Deus que feche com a Segregação".

Igreja do Rosário dos Pretos, Guarulhos - Século XIX

Em resposta à intolerância religiosa, pela visibilidade e respeitos às matrizes sagradas africanas, as comunidades de Candomblé e Umbanda de Guarulhos e região, realizarão, no próximo dia 06 de dezembro, a 5ª Caminhada das Águas de Mãe Oxum. A Caminhada é, a princípio, a manifestação dos Terreiros de Matrizes Africanas, realizada pela UARAB (União dos Adeptos de Religiões Afro Brasileiras) apoiado pela MOVIASE e pela Prefeitura de Guarulhos. O Ato Público terá concentração na Praça Getúlio Vargas e passa por três marcos históricos, que remetem a história dos povos africanos escravizados no período colonial: Busto da Mãe Preta, o Marco Zero (Frente a igreja Matriz), e a marcação da Igreja do Rosário dos Pretos erguida pelos escravos e destruída no princípio do século. A programação segue com a procissão e manifestação dos povos de terreiros e volta para a praça Getúlio Vargas onde acontecerá feira de afro-empreendedorismo e apresentações artísticas e culturais.

 O Babalorixá Luciano de Oxum, sacerdote do Ile Oba Ira Ase Odé Erinlé - popularmente conhecido como Asé Cabuçu, acompanha o movimento desde as primeiras caminhadas. Em 2013 recebeu a Comenda Mãe Oxum e desde então tem se dedicado na aproximação, conscientização política e mapeamento dos milhares de terreiros, em toda a mesorregião da Grande São Paulo. Segundo ele, "O aspecto da Caminhada é fazer com que a sociedade afro-religiosa ganhe visibilidade para que definitivamente acabe com a violência contra nosso modo de vida para que nossos costumes sejam respeitados bem como nossa cultura milenar". E explicou: "O movimento tem como objetivo principal agregar os simpatizantes de nossa crença, e a luta pelo fim da intolerância e por respeito. Marchamos para o cessar dos crimes motivados pelo ódio à nossa religião, para exigir o cumprimento das leis de laicidade, e lutar contra os projetos de leis que tentam fechar as portas de nossos terreiros".

Confira a entrevista do Babalorixá Luciano de Oxum, ao blog Olhar de um Cipó:

A maioria dos movimentos, caminham pelas águas de Oxalá ou Yemonjá. Por que Guarulhos Caminha pelas Águas de Mãe Oxum?
O movimento este ano será dia 06/12, por motivos de mobilização, data que vai de encontro com o aniversário da 455 anos de Guarulhos  (08/12), feriado municipal. Um dia escolhido por nossa ancestralidade para homenagear nossa Mãe Oxum e também dia de Nossa Senhora da Conceição, padroeira da cidade.


 Em meio à tantos casos de violência contra as religiões de matriz africana, por que caminhar?
A política é o meio para garantir o direito de todo cidadão. No nosso caso, como religiosos, nossa forma pacífica é discreta e diferente ao que pensam sobre nós. Hoje, somos muitos e com o crescimento, aumenta também o ódio e a intolerância.
Enquanto o povo do santo não se manifesta publicamente, menos as leis que garantem nossa religiosidade serão cumprida. O povo do santo precisa muito mais! Chegamos a uma dimensão de precisarmos de uma delegacia especial que nos defenda contra crimes para suprimir e controlar o ódio.
O número de pessoas nas manifestações públicas é que chama a atenção da sociedade e nossa necessidade hoje é de sermos vistos, pois somos cidadãos, temos o nosso direito. Enquanto o povo do axé se fechar atrás de seus portões nunca seremos respeitados. Até que  nos seja tirado nosso direito por violência ou aprovação de leis fundamentalistas. Na esfera política, temos pouquíssimos políticos que representem diretamente nossa causa. Numa manifestação pública temos a chance de trazer políticos para se compadecer por nossa causa.


Na sua opinião, o que motiva a intolerância religiosa contra as comunidades de terreiro?
O que motiva a intolerância é que somos em muitos em nosso território, e outros segmentos religiosos bestializam nosso modo de vida, demonizam nosso culto e isto é um método de doutrina usado desde os primórdios dos tempos para justificar erros e agregar membros: Atribuir o mal que acontece não a si próprio mas ao próximo e atribuíram isto a nossos atabaques, à língua de nossos ancestrais... Nossa religião, desde os primórdios,  é marginalizada por ser de origem africana que outrora eram tratados como animais. Tudo que foi atribuído ao negro, até bem pouco tempo atrás, era sempre aquilo que não era bom, e não seria diferente com nossa cultura e nossa manifestação religiosa.
Em 2015, assistimos, com muita dor, casos de intolerâncias: a menina Kayllane levou uma pedrada por estar de branco; terreiros foram queimados; crianças intimidadas por professarem a fé nos Orixás, entre outros casos. Como o senhor vê esses atentados quando, quase sempre, os agressores se mantém impunes?
As pessoas que agridem, da forma citada, esperam momentos que as pessoas de axé estejam indefesas. Os grupos de perseguição e violência não atacam um grupo de homens de axé! Sempre compelem crianças, mulheres e minorias. Para este caso devemos exigir o cumprimento, em manifestações, cartas de repúdio, e em diálogos onde possamos orientar todo o povo do santo. Mas sem a participação da maioria é possível que esta sombra ainda rodeie nossa religião por maior tempo. O povo do axé não tem mais tempo a perder, devemos agir de forma organizada e pacífica já!

Babalorixá Luciano no transe de Oxum  - Foto: Iago Santana 

Qual seu pedido à Oxum para esse momento de enfrentamento? Peço a Mãe Oxum que dê a sua benção a todos que estão trabalhando para que este momento aconteça.Peço que ilumine os líderes que ainda não acham necessário e que ainda, não sei o porquê, anulam-se. E nestes dias que faltam, possamos estar juntos, nesta manifestação histórica, para cair chuva de ouro em nossas cabeças. E meus mais sinceros respeitos a todos.

Serviço:
5ª Caminhada das Águas de Mãe Oxum, em Guarulhos
Data e horário:  06/12, domingo, a partir das 09:00
Concentração na Praça Getúlio Vargas, Guarulhos - SP
Realização: União dos Adeptos de Religiões Afro Brasileiras - UARAB
Apoio: MOVIASE e Prefeitura de Guarulhos








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